Gigantes de bebidas e alimentos vão investir R$ 120 bi no Brasil até 2026
Sinais de que o aquecimento no consumo verificado desde a retomada da economia após o baque provocado pela Covid-19 vem se mantendo e a necessidade de modernização estão puxando investimentos na indústria de bebidas e alimentos. De 2023 a 2026, os planos das empresas somam R$ 120 bilhões, mostra um mapeamento da Abia, entidade que representa o setor.
Há planos bilionários das processadoras de carnes brasileiras JBS e BRF e das fabricantes globais Nestlé, Unilever, Mondelez, General Mills e Kellanova — criada ano passado, para cuidar das marcas de salgadinhos da Kellogg, fabricante de cereais matinais, e que acaba de ser comprada pela também americana Mars, dos chocolates M&M’s e Snickers.
Estão investindo ainda a Coca-Cola e produtoras agrícolas nacionais e multinacionais que têm marcas de varejo, como Cargill, Bunge e Coama Alimentos.
Maior plano da história
O plano da Nestlé, de R$ 7 bilhões de 2023 a 2026, é o maior da história da gigante suíça no país, diz Gustavo Bastos, vice-presidente de Jurídico & Assuntos Públicos da multinacional no Brasil:
— Recentemente, assumimos de forma bastante sólida, como terceiro maior mercado da Nestlé do mundo, atrás somente dos EUA e da China.
O plano da Nestlé tem três projetos principais. Um é a construção de uma fábrica de ração para animais domésticos, da marca Purina, em Vargeão (SC), que custará mais de R$ 1 bilhão e deverá ficar pronta no início de 2025, segundo Bastos.
Os outros são as expansões da fábrica de chocolates em Caçapava (SP), com mais uma linha para produzir Kit Kat, que acaba de ser inaugurada, e da unidade de cafés em Araras (SP), para investir no produto torrado e moído — para além do solúvel, do carro-chefe Nescafé.
No mercado de salgadinhos, antes da aquisição pela Mars, a Kellanova ampliou a linha de produção da batata Pringle’s, na fábrica de São Lourenço do Oeste (SC). Foram investidos R$ 250 milhões no ano passado, mas a empresa evita informar detalhes dos valores do plano de investimentos.
Segundo Evelyne Faccio, head de Assuntos Corporativos da Kellanova, os aportes se justificam porque, desde 2016, quando a Kellogg comprou a Parati — fabricante de biscoitos, salgadinhos, massas e panetones forte no Sul do país —, a empresa vem crescendo ao ritmo de dois dígitos por ano no Brasil.
A aquisição incluiu o complexo fabril da Parati em Santa Catarina, onde, em 2019, a multinacional montou a linha de produção das batatas Pringle’s, a única na América Latina. Com a expansão do ano passado, a fábrica do Brasil está entre as três maiores da Kellanova no mundo, afirma Evelyne.
Este ano, o foco dos investimentos é ampliar a distribuição da Pringle’s no Nordeste, passando dos atuais 7 mil pontos de venda na região para 25 mil.
— Fizemos uma campanha grande no São João e apostamos em parcerias com distribuidores locais — conta Evelyne, acrescentando que a demanda por salgadinhos em geral tem crescido não só no Brasil mas em outros mercados da América do Sul, como Argentina e Peru, para os quais a fábrica brasileira exporta.
Dona de marcas como Doritos, Ruffles e Cheetos, a PepsiCo investiu R$ 1,2 bilhão ano passado. Nos últimos quatro anos, seu faturamento no mercado de salgadinhos duplicou, diz a empresa. Este mês, a gigante americana anunciou que instalará no Brasil uma unidade de seu hub de inovação PepsiCo Labs, para liderar o projeto na América Latina.
Antes do anúncio, em nota, o presidente da PepsiCo no Brasil, Alex Carreteiro, disse ao GLOBO que “o mercado brasileiro e o consumidor são movidos a inovação.”
Demanda aquecida
Segundo executivos e analistas, o aquecimento da demanda por bens não duráveis em geral, incluindo alimentos e bebidas, justifica investimentos neste momento, após ajustes de estoques feitos na virada do ano e diante da necessidade de modernizar fábricas, mesmo que o crescimento econômico se mantenha em ritmo morno, em torno de 2% anuais.
Além do aumento do consumo doméstico, “as exportações, com destaque para os países emergentes, também têm sido um fator de estímulo para novos investimentos”, diz João Dornellas, presidente executivo da Abia.
Entre 2019 e 2023, as exportações de alimentos industrializados cresceram 51,8% em volume, conforme a entidade. O setor reúne 41 mil empresas, emprega 2 milhões de pessoas e exporta para 190 países.
A retomada da demanda é um respiro. Após amargar uma queda de 1,3% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, a indústria da transformação, que engloba o setor de alimentos e bebidas, avançou 0,7% no primeiro trimestre deste ano, em relação aos últimos três meses de 2023, segundo o IBGE. Isso ajudou a puxar a alta de 4,1% nos investimentos no mesmo período.
Dados mais recentes do IBGE apontam avanço de 4,2% na produção industrial de bens de consumo, no acumulado do primeiro semestre, ritmo superior aos 2,6% da indústria em geral. Nessa mesma base de comparação, a produção de alimentos avança 4,7%, e a de bebidas, 4,3%.
Segundo Stéfano Pacini, pesquisador responsável pelo Índice de Confiança da Indústria da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma percepção positiva sobre a demanda tem sustentado o otimismo entre industriais nos últimos meses. O índice da FGV subiu 3,3 pontos em julho, atingindo 101,7 pontos, acima da marca de 100 que divide o pessimismo do otimismo.
Respiro na crise
A melhora conjuntural está mais para um respiro porque, no longo prazo, o quadro ainda é de crise estrutural. Em maio, o nível da produção industrial estava 14,3% abaixo do máximo já registrado, em maio de 2011, segundo o IBGE.
O peso da indústria de transformação no PIB desabou de 14,5%, em 1995, para 9,3%, em 2022, quando se usa preços constantes, atualizados pela inflação, destaca trabalho dos economistas Edmar Bacha, Victor Terziani, Claudio Considera e Eduardo Guimarães, publicado em julho no site do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças.
O estudo sustenta que a indústria perdeu tanta força no Brasil por causa do excesso de tarifas de importação. Com a economia relativamente fechada, a indústria nacional enfrenta menos concorrência e, por isso, tem menos incentivos a ser competitiva em relação a outros países.
Considera, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, desconfia que o alívio atual não seja sustentável, pois é um “um aumento da produção e do consumo de bens não duráveis”, enquanto a produção de bens duráveis, mais caros e com maior tecnologia, patina.
— As transferências de renda, adicionadas da redução da inflação, estão permitindo a melhor compra de produtos não duráveis — diz Considera, lembrando que a indústria de alimentos se encaixa nesse caso. — Temos que melhorar muito a produtividade da nossa indústria, para ela ser capaz de competir com o resto do mundo e tornar os produtos mais baratos.
Fonte.: Gigantes de bebidas e alimentos vão investir R$ 120 bi no Brasil até 2026 (globo.com)
Por Vinicius Neder — Rio
Foto: Divulgação