
Brasil em foco no debate sobre segurança alimentar
Fonte.: Estadão (https://www.estadao.com.br/economia/brasil-em-foco-no-debate-sobre-seguranca-alimentar/)
Data.: 16 de outubro de 2025
Fotos.: Crédito - Daniel Teixeira/Estadão
A segurança alimentar vai muito além de garantir quantidade de comida na mesa: ela depende de alimentos seguros, confiáveis e produzidos de forma sustentável. Esse tema foi o centro do fórum Os Caminhos para Fortalecer a Segurança Alimentar no Brasil e no Mundo, realizado pelo Estadão, em parceria com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), em celebração a semana mundial da alimentação e dos 80 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), que reuniu representantes da Anvisa e do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para discutir ciência, inovação, regulação e políticas públicas no setor.
“A indústria brasileira tem papel fundamental na segurança alimentar global. O Brasil não é apenas o ‘celeiro do mundo’, mas também o ‘supermercado do mundo’, exportando produtos industrializados que geram emprego e renda localmente”, afirma João Dornellas, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).
“A indústria nacional abastece mais de 200 milhões de brasileiros e exporta para mais de 190 países, consolidando o Brasil como o maior exportador mundial de alimentos industrializados desde 2022”, afirma Cleber Oliveira Soares, secretário executivo adjunto do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). “A abertura recente de mais de 440 novos mercados reforça a posição de liderança do setor, que não se limita à exportação de commodities, mas também avança em produtos industrializados e de valor agregado. Nesse contexto, a indústria de alimentos é peça-chave para garantir o fornecimento calórico e nutricional necessário à população mundial, consolidando o Brasil como protagonista na construção de sistemas alimentares sustentáveis e seguros.”
Cleber Oliveira Soares, Secretário-executivo adjunto do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), no painel que debateu os fundamentos da segurança alimentar Foto: Daniel Teixeira/Estadão
E, para o alimento ser considerado seguro, como é o caso dos produzidos pela indústria de alimentos no Brasil, um órgão regulador antenado com as inovações do setor faz toda a diferença. Nesse cenário, explica Patrícia Castilho, gerente-geral de Alimentos da Anvisa, uma regulação bem-feita é fundamental para “impulsionar a indústria brasileira”.
O País possui atualmente, realça Patrícia, 83 temas em sua agenda regulatória, o que exige atualização constante das normas sem criar barreiras à inovação ou ao comércio, mantendo sempre a proteção do consumidor como prioridade e o desenvolvimento da indústria de alimentos. “Além de todas as estratégias que nós temos, a tomada de decisões conjuntas, envolvendo setor produtivo, a sociedade e a academia, é fundamental para a produção de alimentos seguros na quantidade necessária e acessíveis à população”, garante a gestora.
Patrícia Castilho, gerente-geral de Alimentos da Anvisa, no debate sobre Food Safety: fundamentos da segurança alimentar global Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Aliado ao papel da Anvisa, o Mapa complementa a segurança alimentar com rastreabilidade e integração entre inovação, sustentabilidade e competitividade. “Não adianta sermos grandes e não sermos eficientes e competitivos. E, para ter segurança tanto alimentar quanto do produto, temos que ser competitivos não só em volume, mas também na qualidade”, afirma Soares.
Nesse cenário de manter em alto nível a qualidade do alimento produzido pela indústria nacional, o papel do Brasil como protagonista na Comissão do Codex Alimentarius, da OMS, é essencial, segundo Guilherme Costa, chefe de gabinete da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais. “O País atua como liderança global na elaboração de normas baseadas em ciência, equilibrando proteção à saúde pública e facilitação do comércio.” Essa atuação garante que produtos brasileiros possam competir de forma justa em mercados internacionais e fortalece a imagem do País como fornecedor confiável.
A ciência da diplomacia
Além da regulação, o protagonismo do Brasil no comércio internacional de alimentos também depende da capacidade do País de unir ciência e diplomacia. O conhecimento, para especialistas do setor, tem um papel estratégico na construção de normas e padrões reconhecidos globalmente, condição essencial para garantir competitividade e acesso a novos mercados.
Um dos pilares da geração de conhecimento é a inovação científica, em que instituições como a Embrapa exercem papel decisivo. A pesquisa científica aplicada permite que produtores adotem práticas alinhadas aos padrões internacionais de sanidade e qualidade, abrindo portas para exportações. A integração entre ciência, regulação e setor produtivo fortalece a imagem do País como fornecedor confiável de alimentos seguros.
Guilherme Costa, chefe de gabinete da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A mola propulsora de todo o processo de tomada de decisão é lastreada em ferramentas digitais e dados sólidos que ajudam os órgãos de governo a ter mais previsibilidade. “Com o arcabouço que temos de soluções, podemos escolher melhor. E isso, de forma conjunta com a sociedade e os órgãos de controle, para que todos tenhamos alimentos seguros, acessíveis e na quantidade necessária”, afirma Soares.
Setor privado como protagonista: COP-30 será vitrine para a indústria brasileira se mostrar ao mundo
O setor privado terá um papel decisivo na COP-30, não apenas como espectador, mas como agente de ação e transformação global, afirma Ricardo Mussa, chair da Sustainable Business COP30. A mudança de enfoque em relação às outras COPs, segundo o executivo, tem muito a ver com esforços recentes encabeçados pelo Brasil. “O setor privado é pragmático e consegue trazer soluções rápidas e implementáveis”, afirma. Para o executivo, passou da hora de o Brasil chegar aos grandes debates internacionais sem a síndrome do vira-lata. “A gente sempre entra nas conversas parecendo dever alguma coisa. Mas, na parte da produção de alimentos e de energia, nós somos muito mais sustentáveis do que qualquer outro lugar do planeta.”
Como nos fóruns internacionais todos os países têm o mesmo peso no voto, independentemente do tamanho ou da população, obter consensos é sempre um desafio. Nesse contexto, o setor privado costuma atuar como catalisador de ideias e práticas que podem ser escaladas globalmente. O caso do B-20 (Business 20 — grupo de diálogo oficial do setor privado com o G-20) é um exemplo de como o empresariado pode se organizar para influenciar decisões multilaterais.
Para Ricardo Mussa, chair da Sustainable Business COP-30, o legado do encontro precisa ser de ações concretas, e não apenas de discussões teóricas Foto: Daniel Teixeira/Estadão
E a mesma ideia, agora, está replicada no SB COP, iniciativa que reúne 67 países e 41 milhões de empresas. Por meio dessas coalizões, empresas de diversos países compartilham exemplos de sistemas alimentares e energéticos que já funcionam, capazes de gerar retorno econômico e impacto ambiental positivo. Segundo Mussa, apenas projetos escaláveis e replicáveis são selecionados, garantindo que as soluções propostas tenham eficácia comprovada e aplicabilidade global.
“O Brasil tem a oportunidade de mostrar ao mundo que é possível criar um modelo de desenvolvimento sustentável, baseado em produção verde, inovação e inclusão social, ao mesmo tempo que preserva a natureza”. O legado da COP-30, segundo Mussa, “precisa ser de ação concreta, não apenas de discussões teóricas.”
Paz se faz com segurança alimentar, diz Roberto Rodrigues
O combate à desigualdade social e à fome é o ponto de partida para qualquer projeto de estabilidade política e econômica, defende Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas. Para um dos grandes especialistas do agronegócio nacional, a erradicação da fome é hoje um desafio civilizatório.
Rodrigues destaca o papel nevrálgico que o cooperativismo e a inovação tecnológica têm na geração de renda e na integração dos pequenos produtores à economia verde. “O Brasil pode ser campeão mundial da segurança alimentar, da energia renovável e da inclusão social, desde que combine produção eficiente, respeito ambiental e justiça social.”
Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas e enviado especial do setor da agricultura para a COP-30 Foto: Daniel Teixeira/Estadão
O ex-ministro da Agricultura e também enviado especial do setor da agricultura para a COP-30 de Belém tem uma ideia clara sobre qual pode ser um dos grandes legados da reunião climática da ONU. “É preciso encontrar um motivo pelo qual a humanidade toda se una. E a segurança alimentar mundial me parece ser um bom caminho. Se conseguirmos mostrar na COP que o mundo tropical, sob coordenação do Brasil, pode ser uma solução para essa segurança alimentar, a conferência será um ponto de partida importante.”
O Brasil é parte da solução global
Em meio a um cenário global marcado por tensões geopolíticas, mudanças climáticas e desigualdade social, o Brasil reúne condições únicas para liderar uma nova era de produção sustentável de alimentos, baseada em ciência, inovação e uso eficiente da terra, defende o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, atualmente professor emérito da Fundação Getulio Vargas.
Patricia Ellen, cofundadora da AYA Earth Partners e ex-secretária de Desenvolvimento Sustentável de São Paulo Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Hoje, como contextualiza Patricia Ellen, cofundadora da AYA Earth Partners, o País está entre os maiores exportadores do mundo de soja, milho, carne e frango. “O que não significa que não temos muito trabalho pela frente. Mas o que me deixa muito otimista é que a solução para o mundo é o caminho de prosperidade para o Brasil. Um caminho onde a gente não é só o celeiro de commodities, mas também de alimentos e cadeias produtivas avançadas”, afirma a também ex-secretária de Desenvolvimento Sustentável do Estado de São Paulo.
Nos últimos anos, cresceram os investimentos internacionais em sustentabilidade agrícola. O segundo edital do programa Ecoinvest, por exemplo, destinou US$ 5 bilhões para financiar projetos de produção resiliente em terras degradadas.